Importa conseguir descrever, entender e analisar melhor os acontecimentos cotidianos da nossa clínica. Temos várias teorias psicanalíticas que podem dar algumas orientações nesse sentido. Essas teorias terminam sendo contextos referenciais para a posição do analista e as suas intervenções. Na história da psicanálise, uma primeira mudança de paradigma aconteceu um pouco depois da segunda guerra mundial, com a chegada das teorias da informação, da comunicação e, com a cibernética e o surgimento da computação. O modelo hidráulico freudiano foi abandonado por alguns analistas que desenvolveram teorias focalizando de maneira preferencial a dimensão do meio ambiente, seja de maneira ampla (sociedade, cultura, política) ou mais restrita ao meio familiar.

Uma segunda mudança de paradigma aconteceu no começo dos anos oitenta com o movimento relacional e que, mais uma vez, os conceitos referenciais básicos da psicanálise sofreram uma reviravolta a partir da integração de novos conceitos para poder entender o processo analítico. Uma das questões norteadores dessas novidades foi a questão da mudança no processo analítico. Vários analistas (Ferenczi, 1932, Levenson, 1972, 1983; Hoffman, 1983, 1998; Stern, 1985; Aron, 1996; Beebe & Lachmann, 2002, 2014; Galatzer-Levy, 2004; BCPSG, 2010) começaram a se interrogar sobre o que produz mudança num processo analítico, sabendo que a qualidade ou o caráter adequado de uma interpretação não é suficiente para produzir mudança. De um lado, interpretações sofisticadas e detalhadas podem não ter nenhum efeito quando, do outro lado, um detalhe, um movimento, um acontecimento minúsculo pode de repente transformar uma situação às vezes parada há meses. O que está acontecendo ali?

É assim que chegamos a estudar como os processos de mudança podem acontecer e quais são as condições que favorecem o seu aparecimento. Saindo do modelo hidráulico ou comunicacional, entramos nas considerações topológicas como Lacan as desenvolveu ao longo do seu longo ensino proferido nos seminários. Estamos agora num momento de báscula, onde a necessidade de novos pontos de referência nos orienta para novas vertentes de uma topologia que, hoje em dia, tem outros nomes como auto-organização, autopoiese, estruturas dissipativas, sistema dinâmico, não linearidade, propriedade emergente, redes, ponto de bifurcação, parâmetro de controle e de ordem, histeresis, atratores, processo, complexidade, iteração, fractais, etc. Esses vários conceitos e outros tornam-se cada vez mais necessários para enfrentar as mudanças que os pacientes, a sociedade e a cultura nos apresentam como já funcionando em nosso dia a dia. Trata-se aqui também de uma responsabilidade política, na medida que essas ideias têm implicações sobre nossa própria vida, a maneira de considera-la, numa dimensão ecológica e econômica (Rifkin, 2014), atuando além do papel de analista, como cidadãos na cidade! A partir desse ponto de vista, a psicanálise torna-se ecológica.

Como esses conceitos podem interessar à psicanálise? Vamos primeiro entrar nesses espaços para entender como funcionam. Não se trata aqui de uma exaustividade, mas de várias abordagens que podem fornecer novos pontos de referências para poder pensar nossa prática. Já introduzidas em diversas outras áreas, como a sociologia, a ecologia, a física, a bioquímica, a economia, essas considerações ampliam nossa posição em relação ao ser humano que encontramos, vivo, nos nossos consultórios, nos hospitais, nas instituições de cuidado ou nas escolas. Apontam também para a necessária interdisciplinaridade que a abordagem relacional pode oferecer à psicanálise contemporânea.

Autor: Henry Krutzen, 2018.

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