A teoria dos sistemas dinâmicos é uma teoria matemática, chamada também matemática da complexidade, que já é aplicada em várias disciplinas como a física, a química, a biologia, a economia, a engenharia elétrica, a computação. Coloca para nós a pergunta de saber a que ponto e como os resultados de outras disciplinas podem ser transferidas para a psicologia e a psicanálise. Lembramos de Freud e o modelo mecanicista, Lacan e o significante ou a cibernética, Winnicott e a comunicação.

          Desde os anos setenta, surgiram na ciência novos conceitos que andam na direção de uma unificação. A teoria dos sistemas dinâmicos é um deles. São sistemas onde as partes podem interagir e produzir mudanças qualitativas através de laços de realimentação ou de mudanças de parâmetros. Novos padrões podem assim aparecer. Essas ideias têm grande interesse para a psicanálise. Já a noção de parâmetro foi introduzida por Eissler (1953), num artigo famoso onde propõe pequenas mudanças do enquadre que podem ser úteis e necessárias no decorrer de um tratamento psicanalítico.

          Chegamos assim à questão das mudanças em psicanálise e da sua natureza qualitativa. Essas mudanças podem aparecer nos rostos, vozes, padrões de comportamento, ações, percepções, famílias, grupos, e muitos outros aspectos da vida de cada um. Precisamos ver como essas mudanças podem acontecer e como a teoria dos sistemas dinâmicos pode trazer alguns elementos úteis para nosso debate. Já podemos considerar um substrato material, nosso cérebro, rede enorme de neurônios organizada como um sistema complexo.

          Mas voltamos para essa noção de parâmetro que vai tornar-se central nos sistemas dinâmicos a partir de dois conceitos importantes: o parâmetro de ordem e o parâmetro de controle.

          O parâmetro de ordem é um elemento ou elementos que descrevem a ordem do sistema.

Por exemplo: numa nação, a língua nacional tem o papel de parâmetro de ordem, ela vive mais tempo do que os indivíduos. Quando uma bebê nasce, ele fica submisso à linguagem. Ela ou ele a aprende. Claramente, um indivíduo vai ser submisso a vários parâmetros de ordem como a família, a escola, a linguagem, a cultura, a religião, o partido político (Haken, 1991, p. 35).

Por outro lado, é a variação de um parâmetro de controle que permite chegar a uma fase de transição onde um ponto de bifurcação vai ser alcançado e o sistema muda. No caso dos movimentos rítmicos dos dedos (Kelso, 1995), o parâmetro de ordem pode ser identificado com os ângulos entre os dois dedos e o parâmetro de controle com a velocidade dos movimentos, ditada pelo aumento do ritmo produzido por um metrônomo. Depois de um certo tempo com aceleração do ritmo, os movimentos alternados entre os dois dedos encontram um limiar e, de repente, o padrão muda e os movimentos não são mais alternados, mas uniformes. Kelso estudou também esse mesmo tipo de mudança nas passagens do passo para o trote, e do trote para o galope, no cavalo. Outro exemplo interessante é o contato de crianças com pôneis como mediação terapêutica (Lorin de Reure, 2013).

Seguindo Karl Kratky (1992), abordamos o conceito essencial de atrator.

Vamos considerar uma imagem simples para poder descrever a auto-organização dentro do comportamento de um sistema. Dentro de uma paisagem, uma bola está rolando e segue as declividades mais simples para seu movimento, indo pelo vale e alguns sub-vales… Vamos chamar estes vales de bacias. Dependendo do ponto de partida, nossa bola pode ter vários caminhos possíveis, mas ela vai sempre se dirigir para o lugar mais baixo da bacia onde ela se encontra. Chegando neste ponto mais baixo, ela vai interromper sua movimentação e entrar num estado de repouso, parada. Este nível mais baixo representa o padrão mais estável de comportamento da bola. A paisagem representa as regras internas, a localização do ponto de partida depende da influência diferenciada dos elementos do meio ambiente. Isso parece uma relação simples e causalista mas não é. A paisagem pode ser muito acidentada, pode passar por terremotos, vales podem, de repente, virar montanhas e a bola deixar o “porto seguro” da sua bacia para voltar a peregrinar (Kratky, 1992, p. 89-90).

Este nível mais baixo para onde nossa bola tem preferência de dirigir-se para permanecer num estado estável, é chamado atrator, literalmente porque parece atrair a bola para sua bacia. Um pique ou uma montanha da nossa paisagem será um repelente, um estado onde a bola não poderá permanecer e voltará a rolar, seguindo as declividades e os vales para chegar no ponto mais baixo de um atrator. Uma paisagem pode naturalmente conter vários atratores, com várias bacias, vales e sub-vales. “Quando um sistema se auto-organiza sob a influência de um parâmetro de ordem, ele se estabelece dentro de um ou alguns modos de comportamento, que o sistema prefere em relação aos outros modos possíveis” (Thelen & Smith, 1994). Este modo de comportamento constitui um estado de atrator, já que o sistema tem afinidade com este estado. O sistema vai preferir uma certa topologia de seu espaço de estado (state space). Nas palavras, mais técnicas, de Haken:

Essas transformações podem ser visualizadas melhor numa paisagem potencial, juntando os parâmetros de ordem com a mudança do parâmetro de controle. Assim, uma bolinha colocada na paisagem, pode circular até a variação do parâmetro de controle alcançar um valor crítico onde a bolinha vai ser atraída para uma nova bacia, a partir da instabilidade criada no sistema (Haken, 1991, p. 36).

          A instabilidade mencionada por Haken é a que vai produzir, ao modificar-se, um ponto de bifurcação, e, logo, uma mudança do sistema. A mudança é a passagem de um atrator para um outro, por uma questão da estabilidade. O parâmetro de controle muda a paisagem (por exemplo, o aumento da temperatura). O sistema mantém sua estabilidade com a mudança do parâmetro de controle, até um certo ponto crítico, onde perde essa estabilidade e a capacidade de manter o seu padrão, as flutuações aumentam, com comportamentos transitórios, instáveis que podem aparecer até o ponto de bifurcação onde um novo padrão, diferente, pode ser atingido (como veremos, de maneira não linear) e um novo atrator formar-se.

A noção de atrator implica pelo menos dois conceitos prévios: o espaço de estado e a trajetória.

O espaço corresponde aos elementos euclidianos como linhas, planos e volumes, com dimensões 1, 2, ou 3. As variáveis do estado são apenas os coordenados deste espaço que, logo, será chamado de espaço de estado. Por conseguinte, cada ponto deste espaço constitui um estado especial deste sistema, com, em particular, o ponto de origem como condição inicial. A série de pontos que vai descrever o desenvolvimento do sistema é chamada trajetória, dentro das condições iniciais (An der Heiden, 1992, p. 62).

A partir dessas duas noções, podemos descrever vários comportamentos do sistema e os atratores, junto às trajetórias, podem entrar em quatro categorias principais: o atrator pontual (dimensão 0), o atrator cíclico (dimensão 1), o atrator tórico e o atrator caótico (ou estranho).

Não vamos aqui entrar em mais detalhes sobre essas variedades de atratores. Podemos apenas notar a presença de um tipo de atrator tórico, que não deixa de lembrar a topologia das superfícies de Lacan que, apesar de nunca ter falado de atratores, já teve essa intuição que o objeto tórico (Lacan, 1961-62) podia ser útil para pensar questões de psicanálise. Também podemos comentar que o atrator caótico tem essa particularidade de ter uma trajetória infinitamente longa, apesar de permanecer numa mesma zona delimitada. An der Heiden (1992) comenta que a sua trajetória apresenta características de uma série de dimensão fractal (que veremos numa sessão subsequente deste capítulo). Estamos longe de um modelo causalista que atribui efeitos similares a causas similares!

          Thelen e Smith (1993, 1994) comentam que os atratores têm uma grande flexibilidade de instauração dependendo das interações entre seus elementos internos e as condições do meio ambiente. A natureza dos atratores não contém nenhum código, esquema, ou programa que deveria ser desencadeado num certo momento predefinido, como uma certa concepção do desenvolvimento poderia deixar pensar, num pensamento do tipo “todas as crianças de tal idade são capazes de tal comportamento, pois isto fica inscrito nos genes”.

          As profundidades dos vales na paisagem são uma representação do grau de estabilidade/instabilidade do sistema e do atrator considerado. Os sistemas complexos podem ter vários tipos de atratores, e estes podem apresentar profundidades diferenciadas.  Os parâmetros de controle vão produzir mudanças na paisagem aumentando ou diminuindo a profundidade dos vales e, assim, a estabilidade dos atratores, para chegar a situações onde o espaço de estado não pode mais manter-se e a bola recomeça a rolar na direção do que será um novo atrator, um novo vale, com uma nova profundidade.

          Um outro conceito interessante é o oscilador autônomo, ou seja, um oscilador que não precisa de elementos exteriores para gerar oscilações temporais de uma ou várias variáveis. Representa um tipo de auto-organização específico.

Cada organismo vivo constitui um conjunto de osciladores autônomos, ao nível celular, molecular, de redes de células, de órgãos… Como todas as partes de um organismo são interconectadas em função do nível hierárquico envolvido, e influenciam também uns aos outros, podemos considerar que o dito organismo forma um sistema de osciladores autônomos acoplados (an der Heiden, 1992, p.74).

          Por exemplo, trata-se dos ritmos dos movimentos entre diferentes subsistemas como respiração e locomoção, respiração e batidas cardíacas. Assim, a questão mais geral da auto-organização foi tratada de maneira diferente, segundo os autores, como a autopoiese de Maturana e Varela, as estruturas dissipativas de Prigogine ou a sinergética de Haken. É cada vez a noção central de auto-organização que recebe um tratamento, uma abordagem ligeiramente diferente, mas que remete sempre a uma noção de sistema dinâmico.

          A auto-organização produz então um padrão do sistema. Assim, fica indispensável identificar bem os parâmetros de ordem deste padrão, ou seja, os elementos que permitem descrever a ordem deste sistema. Esses parâmetros podem ser biológicos, intrapsíquicos, relacionais, ou, sociais. Ao mesmo tempo, a procura do (ou dos) parâmetro(s) de controle é importante, o que implica como primeira tarefa a escolha do nível hierárquico correto do processo. Isso pode permitir chegar ao ponto de bifurcação, onde novos parâmetros de ordem aparecem, chamados parâmetros emergentes de ordem. O desenvolvimento de um sistema dinâmico não pode ser explicado pelo comportamento das suas partes. Dentro da bacia de um atrator, a mudança de parâmetros de controle pode trazer o sistema para a instabilidade, e logo, para um ponto de bifurcação, quando, de repente, ele vai mudar para outra bacia que vai ser chamada de emergente. O novo se caracteriza pela qualidade emergente. Essa qualidade emergente é produzida pela auto-organização. No ponto de bifurcação a bacia do atrator está plana e possibilita assim, em função da ação do parâmetro de controle, uma mudança para outro “vale”, construindo progressivamente uma nova bacia para um novo atrator.

Autor: Henry Krutzen, 2018.

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