Em setembro de 1897, Freud escreve a Fliess que não acredita mais na sua neurótica e vai abandonar o que ele construiu até lá.

É lugar comum considerar que ao abandono da teoria da sedução corresponde, de certa maneira, o verdadeiro nascimento da psicanálise. Freud introduz a noção fundamental de fantasia e se aproxima do complexo de Édipo e está cada vez mais no caminho para abandonar a hipnose e introduzir a técnica da associação livre, começando também a analisar os sonhos… Ainda faltam os conceitos chaves de transferência, resistência e uma abordagem mais detalhada do que seria este inconsciente, produtor do que vai ser considerado como formações do inconsciente, como os sonhos, os pequenos eventos de falhas do nosso cotidiano, os chistes e os sintomas.

Mas, neste período pré-analítico, com o ato do abandono da teoria da sedução, é também todo uma vertente da clínica que é deixado de lado. A teoria da sedução, apesar do lado limitado das considerações etiológicas e causalistas que ela trazia, destacava um elemento fundamental na questão dos transtornos mentais: a presença do meio ambiente, da família, da realidade, enfim, o outro como elemento indispensável de um sistema onde as variáveis possam circular de uma maneira não linear.

Freud, no caminho da invenção da psicanálise, inaugura, com o abandono da sua neurótica, um pensamento que vai privilegiar a dimensão intrapsíquica do funcionamento da mente humana. Abre a porta para elaborar conceitos cuja dinâmica se revelará interna, com o jogo das pulsões entre o somático e o psíquico, as fantasias (primárias ou não), a resistência, e a noção de defesa. Essa posição nova também implica algumas disposições do espaço clínico e do manejo do tratamento dentro e fora do consultório do analista.

Sabemos que Freud demorou muito para publicar artigos sobre a técnica psicanalítica. É apenas na década de 1910 que publicará alguns artigos sob a insistência reiterada de alguns discípulos e, também, para dar uma posição “oficial” em relação à ameaça sempre presente, no olhar de Freud, do surgimento de charlatões, se apoderando do título de psicanalista para inventar métodos que poderiam ferir o jovem movimento psicanalítico.

Essa questão da técnica permanecerá muito ambígua ao longo dos anos, mantida secreta nos encontros entre supervisores e supervisionados. Freud nunca, na verdade, formulou uma teoria clara, positiva e definitiva da técnica (Leitner, 2001). A leitura dos artigos publicados propõe alguns princípios gerais com uma tendência a privilegiar os argumentos negativos.

O resultado era que o analista em formação tinha que encontrar Freud ou se virar com os textos teóricos publicados para tentar adivinhar e inventar uma técnica da sua prática clínica. Claro que isso pode trazer pontos positivos e interessantes, na medida que deixa cada analista livre para inventar seus critérios em relação à coerência da teoria. Mas, por outro lado, isso inaugurou e formatou um tipo de relação obrigatório entre analista em formação e analista “formador” que vai ter uma longa história.

O analista, pensado como cirurgião, ou espelho, vai ter uma vida longa… Essa posição será totalmente justificada pelo fato de que a posição do problema é intrapsíquica e que o analista / médico vai interpretar as formações do inconsciente produzidas pelo analisando. A posição fundamental é que o inconsciente é do analisando, as fantasias são do analisando, as atuações são também do analisando e, se o analista desliza na direção de qualquer produção saindo da posição de cirurgião ou espelho, ele terá que voltar para fazer um tempo de análise ou correr para uma supervisão que o botará de novo na linha.

Autor: Henry Krutzen, 2018

Imagem: Sigmund Freud by Ralph Steadman.

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