Layton (2018) observa que muitas disciplinas, nos últimos 25 anos, começaram a prestar uma atenção maior ao que ela chama de “ontologia relacional”. Recentemente, um movimento pendular voltou para algumas críticas dessa “ontologia” com enfoque sobre a falta de consideração da singularidade do indivíduo. Esse movimento, identificado também na psicanálise relacional (Aron et al,2018) volta sobre algumas hipóteses básicas ligadas à relacionalidade, mas integrando-as num contexto maior, histórico, econômico, social e ecológico. A questão deslocou-se para um jogo de interações entre as considerações sobre o indivíduo e as formações identitárias de grupos em contextos culturais variados.
Essas questões não são apenas teóricas, mas têm implicações diretas na prática cotidiana da psicanálise. Essas ideias – implícitos na maioria das vezes – estão funcionando a cada momento que eu, analista branco, imigrante, heterossexual, de classe média, com privilégios, atende no consultório. Qualquer que seja o paciente considerado, não vou poder evitar que minha atuação profissional seja inserida num contexto bem mais amplo.
Essas identificações precisam ser desmontadas e montadas em movimentos de vaivém que a psicanálise relacional permite fazer, na própria medida que uma parte importante do trabalho é considerada em função da capacidade da analista de prestar atenção nos seus próprios movimentos, dentro do sistema constituído.
Em outras palavras, posso pensar aqui na amplificação da noção de psicanalista relacional. Lá onde vou pensar no sistema como inserido na díade analítica e, além disso, nos contextos familiares dos meus pacientes como nos meus, vou também considerar as várias forças culturais e os lugares de poder que também determinam meu lugar, neste momento. Assim, se meu paciente é homossexual e negro, vou precisar saber como essa pessoa viveu até hoje os aspectos opressores ligados à classe, raça, gênero e sexualidade. E como esses dados vão ser encenados, dentro de um sistema constituído com um analista imigrante, branco, heterossexual e de classe média. Aqui vem a noção necessária de interseccionalidade para poder abordar essas questões que não vão poder faltar nessa análise com esse paciente (essas condições acontecerão naturalmente com qualquer outro paciente, na sua singularidade, e nos conflitos inerentes à essas posições diferenciais inevitáveis). Se eu considero a questão de gênero, por exemplo, a abordagem dessa questão de modo isolado vai fracassar na sua elaboração, na medida em que o gênero vai sempre encontrar alguma intersecção com a classe, a raça e o sexual.
Aqui precisamos de um contexto mais geral. Este trabalho necessita de uma abordagem interdisciplinar para resgatar os dados e movimentos históricos particulares do Brasil. Os modos e movimentos opressores e alienantes oriundos da escravidão, no Brasil, não são idênticos às particularidades históricas que aconteceram nos Estados Unidos, por exemplo, onde essa noção de interseccionalidade (Crenshaw, 1989) apareceu. Um trabalho interseccional com historiadores aqui seria essencial. Da mesma maneira, a
negação do processo de ditadura, sem nenhuma elaboração deste trauma, como foi realizado em outros países, continua produzindo encenações político-sociais graves no Brasil, como a administração da pandemia pelo governo atual está mostrando no nosso cotidiano.

Autor: Henry Krutzen.

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