A psicanálise relacional é um conjunto de teorias e pensamentos alternativos as teorias psicanalíticas clássicas que vem sendo discutidas desde os anos 80, primeiramente nos Estados Unidos e que vem reunindo rapidamente psicanalistas de diversos países e orientações clínico-teóricas. A perspectiva relacional oferece aos psicanalistas praticantes a possibilidade de dialogar sobre suas experiências e observações compreendendo que a estrutura psíquica e o desenvolvimento da personalidade é derivado das relações entre um e outro e entre um, outro e o coletivo em reverberações intrapsíquicas, intersubjetivas e sociais.

A rápida disseminação da perspectiva relacional, atende a demanda por pesquisa e compreensão  das mudanças que surgem na cultura, com atenção a oscilação e turbulência social, que convoca o psicanalista a pensar em intersubjetividades e subjetividades, em redes e desamparo e em ambivalências e multiplicidades que transcendem  a abordagem psicanalítica clássica derivada da conflito pulsional, da família edípica tradicional e dos binarismos de gênero presente nos conceitos e teorizações iniciais de Freud. O imagética do modelo hidráulico usado por Freud para pensar o aparelho psíquico, traduzindo em modelos de cargas e descargas e sobrecargas, simbolizados por totens, tabus e mitos, requerem ajustes e alternativas que se expandem matricialmente, em configurações de redes e janelas que se intercomunicam e se dissociam. Novas imagéticas em um mundo digital, de big data e algoritmos, provocam expansões na forma como nos organizamos e essas mudanças são perceptíveis na arquitetura de como nos relacionamos com os diferentes espaços psico-sociais e afetivos. As mudanças psíquicas e identitárias, as novas configurações familiares, os incluídos e marginalizados, requerem um diálogo mais amplo, entre diferentes disciplinas, promovendo alternâncias e ambiguidades que não cabem mais em conceitos estritos, mas solicitam diferentes cartografias que se intercalam, desafiando a forma e o ritmo de nossa metabolização subjetiva.

Observamos um crescente desejo “por outra coisa” surgir nos jovens psicanalistas cuja formação tradicional não consegue mais prover elementos para discussão do que se apresenta pela afetação do ambiente, modificando o olhar e a escuta clínica, seja no consultório em  espaços comunitários. Para além dos fenômenos de modismo ou de “roupagem nova” de ideias antigas, a psicanálise relacional oferece um campo aberto ao diálogo, cuidando da elaboração da observação cotidiana a partir das vivências sensíveis de cada um envolvido relacionalmente.

As vivências da analista são hoje, inegavelmente, parte integrante do processo clínico, e  já não podem mais ser consideradas como contra-processuais, fundadas em elementos patológicos do analista a serem analisados separadamente, por processo de “desinfecção” a ser elaborada na análise pessoal do analista  ou na supervisão verticalizada, em um modelo de artesão-aprendiz. O mundo nos atravessa e esse atravessamento faz parte de como estabelecemos, criamos e desenvolvemos nossas relações, sejam elas passadas, presentes ou futuras. A abordagem relacional situa-se portanto na pesquisa da psicologia de duas pessoas, na metabolização do encontro e não mais na observação desafetada do psiquismo de um só.

A dimensão relacional coloca no foco de sua investigação a intersubjetividade, alinhando e expandindo conceitos e ideias presentes em linhagens teóricas distintas  (interpessoal, relações de objeto, intersubjetividade, feminismo, teorias de gênero) e que tem sua ancestralidade no pensamento do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi. Criam-se conceitos que reorganizam o campo transferencial, discute-se o que se revela e o que se esconde espontaneamente e genuinamente quando o psicanalista se mostra na relação. Conceitos como auto revelação e encenações (enactments) catalisam o  processo e fazem o encontro de inconscientes emergir. A matriz relacional é origem e originária, criador e criatura, dependendo dos contextos e das trajetórias consideradas quando o que se acompanha é o encontro, a relação.

Deste ponto de vista, a psicanálise relacional não é uma escola, com uma teoria unitária do psiquismo, do inconsciente, da técnica ou da formação dos analistas. Ela existe como um movimento estruturado em rede, assim em 2000 fundou-se  a International Association for Relational Psychoanalysis and Psychotherapy (IARPP), uma associação internacional horizontalizada, onde cada analista ou interessado em psicanálise pode falar em seu próprio nome e com sua própria voz, como lugar de troca e de trabalho das várias vertentes da psicanálise atual.

Convidamos a todos a participar e conhecer, essa nova abordagem de fazer psicanálise de forma compartilhada, aprendendo de forma cartográfica a história e o desenvolvimento de conceitos `a partir da elaboração de sua própria experiência e de seu olhar.

Autor: Denise Goldfajn

4 thoughts on “O que é a psicanálise relacional?

  1. VALDEMIRO FERREIRA DA SILVA says:

    Sou pscicanalista ex-lacaniano, que se aproxima e pensa dentro do contexto relacional, e tenho interesse em conhecer e integrar esse grupo de estudo e pesquisa, pois tenho muito a aprender e tbm a ensinar, pois já desenvolvi uma abordagem pscicanalitica relacional, que apresentei no livro

    Pscicanalise Relacional e a Teoria da Gangorra – A Fórmula da Mente.
    Meu tema de estudos são os enlaces do narcisismo no campo mental consciente e inconsciente.

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