A história da teoria da técnica psicanalítica é uma história constituída por segredos (Leitner, 2001), propostas cochichadas nos corredores das instituições ou bem guardadas dentro dos muros das supervisões de casos. Sabemos que os artigos de Freud “ditos” sobre a técnica, só trazem considerações gerais e, na maioria do tempo, formuladas de maneira negativa. Uma grande sistematização foi articulada por Strachey (1934) num artigo famoso, A natureza da ação terapêutica da psicanálise, onde tratou de maneira exaustiva, para essa época, dos assuntos do manejo da transferência, da questão do Super-eu, da introjeção e da projeção, do analista como Super-eu auxiliar, e enfim da interpretação, sem esquecer a abreação. Não vamos comentar aqui este grande artigo que reclamaria um estudo aprofundado e vamos considerar a próxima etapa dessa questão da teoria da técnica com o artigo importante de Eissler (1953), Os efeitos da estrutura do eu sobre a técnica psicanalítica. Neste artigo, também famoso, Eissler propõe um novo conceito, o parâmetro, pelo qual pequenas mudanças podem ser introduzidas dentro do enquadre, em função da “estrutura do eu” do analisando. Muitas coisas aconteceram depois com a chegada de Lacan e das sessões de duração variável com a crise que desencadeou, mudando a história da psicanálise. Mas estamos, no começo deste século, ainda numa situação bem diferente.

A mudança de paradigma operada pela psicanálise relacional trouxe novas ideias sobre os eventos e acontecimentos do processo analítico. Como essas ideias se concretizam no cotidiano dos nossos atendimentos, nos consultórios, nas instituições e como cidadãos na cidade? Quais são as mudanças concretas que podemos observar ao ler as produções dos analistas e profissionais que trabalham com essas abordagens novas?

          Essas questões não podem ser respondidas de maneira simples e definitiva com uma proposta única de método, e com resultados unilaterais. A proposta de Mitchell (1988) é clara: qualquer um pode se inserir na abordagem relacional na medida em que respeite a matriz muito flexível, de três termos definidos como o self, o outro e as relações entre eles. As teorizações são múltiplas, exatamente como variam os analistas, os pacientes e as posições recíprocas de cada um. Essas variações acontecem tanto no nível das pessoas quanto entre as pessoas. Multiplicidades de selves, de abordagens em função dos dados da clínica e dos protagonistas envolvidos, multiplicidades de posições, de atitudes, nos cuidados, no enquadre, e nas elaborações dessas experiências. Um paciente pode precisar de um enquadre clássico, deitado no divã, com uma posição “tradicional” da analista, privilegiando a escuta e o silêncio. Outro pedirá atendimentos face a face, com uma presença mais “ativa e implicada” do analista. Outro considerará atendimentos co-criados, com enquadre flexível e mutável.

O interesse da mudança de paradigma, operada pela virada relacional dos anos oitenta, é a possibilidade de integrar todas essas posições num referencial flexível e aberto (Kratky, 1992). As noções de redes, de sistemas dinâmicos, de não linearidade, de atratores, de complexidade, de fractais, permitem ir além de uma fase necessária da história da psicanálise, que foi o período das chamadas escolas, caracterizadas pelas querelas dogmáticas referidas a uma teorização particular da prática psicanalítica. São particularizadas pelos adjetivos carregados de história, nos contextos diferenciais das culturas e regiões do mundo onde tiveram o maior desenvolvimento: kleiniano, anafreudiano, bioniano, lacaniano, winnicottiano, laplanchiano, entre outros. Com a nova metapsicologia, podemos circular entre essas abordagens, tendo firmemente como pontos de referência essas novas noções fecundas, que ainda têm muitas questões para resolver num futuro próximo.

Autor: Henry Krutzen, 2018.

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