A palavra em inglês enactment pode ser traduzida para o português como “encenação”, em sua descrição no dicionário encontramos “o ato de colocar algo em ação”, ou de colocar algo em cena. Esse é um tema cada vez mais discutido pelos psicanalistas atualmente, o enactment convoca posições divergentes em torno de sua definição.

Freud em um de seus poucos comentários sobre a contratransferência propunha que ela deveria ser evitada (Krutzen, 2020) em sua carta a Jung em 1909 ele escreve: “Nos tornamos senhores da contratransferência na qual estamos, no fim das contas, sempre postos, e aprendemos a deslocar nossos afetos e situá-los corretamente”. Para Freud a definição de contratransferência seria quando o paciente provoca sentimentos no analista, ou seja, influencia seus pensamentos inconscientes, portanto o analista não deve comunicar isso ao paciente, mas deve dominar e evitar qualquer afeto espontâneo.

Em outros trechos Freud propõe que é necessário a frieza de um cirurgião, que deixa de lado os afetos e concentra-se na técnica, ele escreve ainda: “O problema da contratransferência é um dos mais difíceis da técnica psicanalítica. Teoricamente, acho que é mais fácil de resolver” Aqui a palavra teoricamente parece expressar que de fato, na teoria é possível sustentar a posição radical que propõe Freud, mas na prática ele mesmo acabou se envolvendo em encenações como no caso Elisabeth, no caso Dora, e como cita Krutzen (2020) recebendo sua analisanda Marie Bonaparte em sua casa para refeições em família. O que nos leva a pensar que na prática a teoria da abstinência radical e o afastamento completo dos afetos do analista em relação ao paciente não pode ser aplicada, mesmo para Freud que a propôs.

Já Ferenczi quando propõe a elasticidade da técnica vai também iniciar seus escritos no Diário Clínico falando da insensibilidade do analista e que, com pacientes precocemente traumatizados isso reforçaria o trauma, portanto era preciso uma adaptação do analista, uma “naturalidade e a honestidade do comportamento” (Groddeck e Thompson). Winnicott também vai fazer propostas diferentes quando fala da empatia materna e a empatia do analista, que coloca-se no lugar de entender e atender as necessidades do paciente, importante ressaltar que Winnicott vai teorizar sobre o bebê e seu desenvolvimento emocional primitivo, muito anterior ao que propunha Klein, por exemplo, e portanto dar ênfase na importância do ambiente e dos cuidados maternos, bem como as falhas ambientais que podem ocorrer nesse início da vida e suas consequências.

Aqui estamos tratando de conflitos e situações traumáticas dos quais o paciente não tem registros, são dissociados, não é o conteúdo recalcado que está em jogo, portanto não são as interpretações que irão repercutir, ou ao menos não terão papel principal em um primeiro momento, aqui são as encenações que serão vivenciadas a dois (paciente e analista) durante o processo.

enactment é justamente o momento (ou os vários momentos) em que analista e paciente encenam algo que não foi simbolizado, quando não há a possibilidade de elaboração consciente através da linguagem, o analista se vê implicado dentro da situação, reagindo à ela, portanto, algo que não se pode controlar.

As encenações são condições de possibilidade de criação de conflitos, conflitos esses que só podem ocorrer se o analista puder se colocar como uma presença viva, real, autêntica, quando não há um distanciamento e a frieza proposta pela psicanálise tradicional, quando o analista não se coloca como o mestre ou detentor do saber, ali onde existe o conflito existe também a possibilidade de uma co-construção, sustentada a partir do vínculo, existe também a falha e a reparação, a aproximação e o distanciamento, repetidas vezes. É preciso destacar que nessa clínica migramos dos conteúdos para os processos, processo esse composto por duas pessoas que sentem e que através do enactment, ou melhor, dos enactments podem abrir espaço para o conteúdo.

Autor: Danielle Vieira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *