Ilya Prigogine, químico e físico, ganhou o prêmio Nobel de química, em 1977, com a sua teoria das estruturas dissipativas. Sempre interessado na questão da vida, Prigogine ficou questionando-se sobre o fato dos organismos vivos se manterem em condições afastadas do equilíbrio, na beira do caos. Definiu a estrutura dissipativa como um sistema onde a matéria flui continuamente através dele, mas sem impedir o dito sistema de manter-se numa forma estável, de maneira autônoma, por meio da auto-organização. Encontramos, por exemplo, este estado estável, afastado do equilíbrio, num redemoinho.

          As características de uma estrutura dissipativa não podem ser derivadas das propriedades de suas partes, mas são consequências da sua organização.

          Um exemplo clássico de estudo de um sistema afastado do equilíbrio foi feito por Prigogine quando estudou a famosa chamada “instabilidade de Bénard”. O físico francês reparou que, ao aquecer uma fina camada de líquido, estruturas estranhamente ordenadas apareciam de repente, com um padrão hexagonal, enquanto o líquido mais quente sobe pelas células e o líquido mais frio desce para o fundo onde fica aquecido, para subir depois de novo. Prigogine estudou este fenômeno e mostrou que, ao afastar-se do equilíbrio, o líquido atinge um certo patamar, um limiar, um ponto crítico, que vai ser chamado ponto de bifurcação, onde, de repente, o sistema muda e um novo padrão de organização aparece (Haken, 1991). Um ponto interessante é que o ponto de bifurcação depende da história anterior do sistema, o que será particularmente importante no caso dos sistemas vivos onde as expectativas e o desenvolvimento do próprio sistema realimentam o processo. Outro exemplo é o laser, onde a ação combinada de muitos elementos vai produzir, de repente, um comportamento novo do sistema. Outro domínio é o movimento rítmico dos dedos onde um padrão alternado, entrando num processo de aceleração, de repente, muda de padrão e entre em fase (Kelso, 1995).

          Prigogine descobriu que, se a estrutura dissipativa depende do meio ambiente para receber a energia necessária para poder existir, as instabilidades e perturbações que acontecem no sistema antes de “pular” para uma nova organização no ponto de bifurcação, dependem dos laços de realimentação do próprio sistema.

          Um sistema vivo tem uma estrutura dissipativa, mesmo se toda estrutura dissipativa não é um sistema vivo; necessita de um fluxo permanente de ar, de água, de alimento, vindo do meio ambiente através do sistema para permanecer vivo e manter a sua ordem. Essa estabilidade afastada do equilíbrio é uma outra maneira de abordar a auto-organização. Assim, o equilíbrio de um sistema vivo só acontece quando este sistema morre: um sistema vivo em equilíbrio é um sistema morto!

Um organismo vivo nunca está num estado de equilíbrio perfeito, sempre ocorrem pequenas oscilações que revelam uma dinâmica afastada do equilíbrio. A biologia e o corpo humano não são organizados de maneira fixa, rígida, produzindo identidades estruturais. Existe uma flexibilidade orgânica que depende também das condições do meio ambiente, como por exemplo, as batidas cardíacas, a concentração das células sanguinas, o sistema endócrino (an der Heiden, 1992).

          A estrutura dissipativa funciona com um intercambio permanente com o meio ambiente, prelevando elementos dele e expulsando nele os resíduos dos seus processos organizacionais, urina, fezes e CO2 no caso de um organismo vivo. Essas noções, de aberto e fechado, foram introduzidos por Bertalanffy (1968) como modalidades importantes na definição dos sistemas na sua teoria geral dos sistemas.

A física convencional trata apenas de sistemas fechados, ou seja, sistemas que são considerados isolados do seu meio ambiente… A termodinâmica expressamente declara que suas leis se aplicam apenas em sistemas fechados. Particularmente, o segundo princípio da termodinâmica declara que, num sistema fechado, uma certa quantidade, chamada entropia, deve aumentar até o máximo, e eventualmente o processo dá uma parada num estado de equilíbrio…Porém, encontramos sistemas que, por sua própria natureza e definição, não são sistemas fechados. Cada organismo vivo é essencialmente um sistema aberto. Mantém-se num fluxo contínuo de entradas e saídas, com uma construção e destruição dos seus componentes, nunca estando, durante a sua vida toda, num estado de equilíbrio químico ou termodinâmico, mas se mantendo num estado de “balança fluida” (Fliessgleichgewicht) distinto do tal equilíbrio (Bertalanffy, 1968, p. 159).

          Já, hoje em dia, essas noções entraram nas colocações de analistas e são objetos de elaborações e teorizações na teoria da prática psicanalítica. Damos aqui um exemplo:

“Os organismos vivos existem segundo linhas dialético-dialogais. A dialética aplica-se em sistemas fechados onde o dialógico caracteriza as interações em sistemas abertos. O desenvolvimento neural acontece num sistema fechado do meio ambiente; e as interações normais, maduras, como o discurso adulto ocorrem num sistema dialogal aberto” (Grotstein, 2016, p. xxiii).

A questão de um movimento dialético entre o fechado e o aberto abre perspectivas para a dicotomia entre o intrapsíquico e o ambiente, nos debates que ocorreram na psicanálise e traz argumentos em favor da abordagem relacional onde essas duas vertentes são consideradas. A teoria dos sistemas dinâmicos não lineares fornecerá outros elementos úteis para este debate, como veremos numa sessão seguinte.

Henry Krutzen, 2018

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