O tipo de organização que vamos encontrar é oriunda da evolução das teorias cibernéticas que apareceram no fim da segunda guerra mundial, com a noção de realimentação (feedback).

A realimentação é reconhecida como uma auto-regulação necessária quando se trata de pensar os seres vivos. Esta característica vai ser essencial para entender o organismo vivo nas suas redes sistêmicas. Mas as ideias dos primeiros ciberneticistas eram orientadas pela concepção do cérebro e o sistema nervoso central pensado como um computador. Essa concepção teve um desenvolvimento cada vez maior e as tecnologias da informação foram pouco a pouco invadindo nosso mundo, até chegar nas escolas. Remete a uma visão do ser humano como “processador de informações” onde a informação é considerada como base do conhecimento, e do pensamento. Mas a mente humana não pensa com informações, pensa com ideias; não são as informações que criam ideias, mas o contrário. O conhecimento assim pensado seria livre de contexto, e a linguagem serviria a transmitir informações, duas ideias que se mostraram erradas.

O contexto é uma noção essencial nas passagens de um nível para um outro entre as redes situadas dentro de outras redes. As propriedades encontradas dependem das circulações entre os diferentes níveis considerados. “O contexto é a recursão dos sistemas nos quais o sistema que estudamos é aninhado” (Beer, 1980). Assim, um atendimento acontecendo dentro de um consultório particular, uma clínica, um hospital ou uma prisão apresenta contextos diferentes e já pode alimentar a ideia que o analista, atendendo num desses lugares, já não é o mesmo analista, independentemente de quem ele é.

O modelo do cérebro como computador e o ser humano como processador de informações resistiu durante muitos anos até as neurociências crescerem e mostrarem que o cérebro não funciona dessa maneira: não existe programa e regras predeterminadas e as informações não são armazenadas em caixinhas em alguma localização. A noção de rede e de conectividade generalizada parece ser muito mais o funcionamento dos cérebros reais, com uma habilidade de auto-organização que não se encontra em nenhum computador.

Mas o que é a auto-organização? Foi nos anos setenta que surgiram duas áreas que iam ter grande importância para o entendimento do que é um sistema vivo: a complexidade e sua matemática e a auto-organização. Deixando a complexidade para outra oportunidade, vamos primeiro ver a questão da auto-organização.

Uma organização é um conjunto de relações necessárias entre os elementos de um certo sistema, que determinam as características essenciais desse sistema. Implica que algumas relações são indispensáveis no sistema considerado. Um sistema, segundo Lawrence Henderson, é um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes. “Pode ser concebido como uma entidade que produz e reproduz seus componentes, sua estrutura e sua fronteira autônoma pelos meios da operação auto-referencial de seus componentes” (Schiepek & Tschacher, 1992, p. 18).

Não existe organismo vivo sem rede, sem uma organização em forma de rede. Já nos anos cinquenta, com os primeiros passos da cibernética, vários modelos foram construídos a partir de elementos binários. Essas pesquisas mostraram como alguns padrões ordenados apareciam nas redes após reiterações. Foi exatamente a operação que Lacan (1956) produziu na parte “parênteses dos parênteses” do Seminário sobre “A carta roubada”, com a construção da cadeia L a partir de um modelo de codificação binário de elementos aleatoriamente produzidos. “Alguma coisa se organiza” e essa auto-organização define o processo vital. A ordem não vem de fora, mas surgem dos próprios elementos do sistema (Haken, 1991).

Agora, os modelos atuais de auto-organização já se afastaram dos primeiros passos da cibernética e trouxeram novas propriedades importantes que são as seguintes:

          – O processo auto-organizador inclui a criação de novas estruturas e modos de comportamento, pelo desenvolvimento, a aprendizagem e a evolução.

          – O sistema é atravessado por um fluxo permanente de energia e matéria. Sem esse movimento, não há auto-organização. O sistema é afastado do equilíbrio e aberto.

          – Os elementos do sistema têm relações não-lineares.

A Auto-organização é também um processo de autoprodução pela qual os componentes produzidos são igualmente os elementos produtores. A auto-organização aparece a cada nível da hierarquia biológica, a partir do modelo: x1 -> x2 -> x3 -> x … xn-1 -> xn -> x1 (an der Heiden, 1992). Podemos considerar o ciclo do DNA, por exemplo, ao nível celular: DNA -> RNA -> enzima 1 -> enzima 2 -> produto -> DNA; ou, ao nível dos órgãos, o ciclo da respiração: respirar -> O2 -> pulmão -> CO2 -> respirar. An der Heiden lembra que a auto-organização já foi demostrada nos casos de excitações periódicas de neurônios, do reflexo pupilar à luz, da dinâmica da população de baleias, entre muitos outros. A célula dá um outro exemplo interessante na medida que a auto-organização produz a sua própria fronteira, a membrana, que na sua vez, tem papel organizador dos elementos internos.

Autor: Henry Krutzen, 2018.

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