Naturalmente, vamos considerar o ponto de origem com a obra freudiana. Não significa que nada existiu antes da chegada de Freud mas podemos considerar que a obra freudiana vai operar uma modificação estrutural – uma mudança de paradigma – sobre a maneira de considerar, observar e entender o mundo da infância.

Já no livro que inicia o século XX, A interpretação dos sonhos (Freud, 1900a), Freud afirma que os sonhos são realizações de desejos, mas não de qualquer desejo. Trata-se de desejos infantis! Inúmeros exemplos são fornecidos por Freud.

Este primeiro passo vai encontrar seu verdadeiro desdobramento em 1905 com os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (Freud, 1905d). Essa obra tem uma importância crucial para Freud, tanto que ele não vai parar de modificá-la, acrescentando e trazendo novas observações e elaborações no seu texto, durante a vida toda (Monte, 2017).

Freud apresenta uma teoria da sexualidade infantil ligada à noção de desenvolvimento. As pulsões parciais e as zonas erógenas fazem sua aparição. A natureza infantil da sexualidade é destacada e a ideia de uma evolução, ligada à maturação e as vicissitudes das pulsões aparece, com a introdução, entre outros conceitos, da noção de período de latência sexual. A sexualidade infantil é ligada à satisfação pulsional, e ao princípio do prazer de diminuição da tensão.

Não vamos retomar aqui todas as ricas observações e elaborações dessa obra importante. Nosso ponto é de destacar a importância da noção de desenvolvimento infantil na obra freudiana desde o início do século XX.

A segunda etapa dessa construção será trazida pelo texto de 1924, de Karl Abraham, onde os estádios libidinais vão encontrar sua definição mais precisa, ligados ao desenvolvimento da libido.

Temos então um movimento duplo entre o desenvolvimento da libido e algumas etapas, definidas como sucessivas, pelas quais essa mesma libido deve passar para chegar na etapa genital definitiva (Abraham, 1924). Nesse caminho, a libido pode encontrar várias pedras, que Abraham enumera da seguinte maneira:

  • um fator constitucional que pode reforçar tendências psicopatológicas já presentes.
  • a fixação da libido em algum estádio do desenvolvimento
  • uma ferida narcísica infantil grave, por decepção amorosa ligada à pessoa materna. Não fica claro, embora seja provável, se Abraham refere-se ao pré-edipiano.
  • Decepção amorosa edipiana.

O segundo ponto importante é a ligação sistemática que Abraham faz com a psicopatologia. O desenvolvimento da libido e seus destinos vai permitir uma nosografia dos transtornos mentais, em função do momento de fixação, de parada do seu movimento na direção da genitalidade definitiva.

Assim, Abraham aborda várias formas psicopatológicas, como a melancolia, a neurose obsessiva, a mania, a paranoia e a cleptomania. O interessante é a construção de uma psicopatologia psicanalítica que coloca em paralelo as formas de psicopatologia e o estado de desenvolvimento atingido, onde uma fixação poderia ter ocorrido. Este artigo de Abraham, um dos últimos que ele produziu antes do seu falecimento prematuro em 1925, coloca a posição definitiva da teoria do desenvolvimento libidinal junto à psicopatologia. A posteridade já considerará essa posição como a teoria de Freud/Abraham, juntando assim os dois homens na paternidade desse modelo clássico do desenvolvimento libidinal do ser humano.

Melanie Klein, nos anos vinte, está em Berlim. Já vai começar a publicar alguns artigos sobre o desenvolvimento infantil, onde a influência do pensamento de Abraham aparece claramente (Klein, 1921, 1922, 1923). Em 1924, ela inicia uma análise com o próprio Abraham, antes de mudar-se para Londres em 1925, depois da morte do analista berlinense.

Num primeiro tempo, fiel à teoria clássica de Freud/Abraham, Klein vai aprofundar os seus estudos de psicanálise com criança. Vai inventar um novo método que permita entender melhor as associações das crianças pequenas, o método do brincar que vai tornar-se, com o passar do tempo, o paradigma de qualquer trabalho terapêutico com crianças.

Mas, pouco a pouco, Klein vai distanciar-se do modelo clássico e trazer conceitos originais, levando cada vez mais para traz, na origem do infante, as etapas importantes do seu desenvolvimento. Novas noções vão ser teorizadas, como objeto bom/mal, super-eu primitivo, introjeção do seio bom/mal.

No seu artigo fundamental, Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos (Klein, 1935), introduz o conceito de posição depressiva. A noção de posição, no pensamento de Klein, não equivale aos estádios da teoria clássica de Freud/Abraham. A posição não é tão ligada a um desenvolvimento cronológico, mas corresponde antes a um lugar de elaboração psíquica de onde o sujeito enxerga o mundo de uma certa maneira. Essa novidade terá consequências sobre os debates das controvérsias que aconteceram na BPS, como vimos no capítulo dois.

Onze anos depois, Klein publicará um outro artigo importante, Notas sobre alguns mecanismos esquizoides (Klein, 1946), onde uma nova posição será descrita e definida como posição esquizo-paranóide. Essa outra posição terá também um papel importante para o desenvolvimento do movimento kleiniano, até hoje, quando autores como Thomas Ogden (1982) continuam ampliando esses conceitos de posições na clínica contemporânea.  Uma outra grande novidade, nesse artigo de 1946, é o conceito de identificação projetiva, que, também terá um futuro muito fecundo com elaborações ulteriores, como a reverie de Bion (1962), ampliada por Ogden (1997), por exemplo.

Autor: Henry Krutzen, 2018

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